Devidamente restaurados, painéis "Guerra" e "Paz" (detalhe), de Portinari, visitam São Paulo pela primeira vez. No Memorial,a partir de 7 de fevereiro
São Paulo, 18 de outubro de 2011.
Agora é oficial. Os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, serão exibidos pela primeira vez devidamente restaurados na Fundação Memorial da América Latina, por um período de dois meses, a partir de 7 de fevereiro de 2012 (Veja matéria na TV Globo)
A notícia foi dada pelo próprio filho do pintor, João Candido Portinari (à esquerda, na foto abaixo), em solenidade nesta manhã, da qual participaram o Secretário Estadual de Cultura, gestores de entidades culturais, patrocinadores, membros do Projeto Portinari e funcionários do Memorial envolvidos na organização da mostra. “O Memorial é o lugar ideal para o público ver as cores intensas dessas obras de meu pai, pois ambos têm um significado irmanado. Por exemplo, o que é o painelTiradentes, já instalado nesta sala (última foto da página), senão um grito de repúdio à violência similar aos painéis Guerra e Paz?”, disse João Candido, celebrando o apoio do Memorial e do Governo do Estado de São Paulo.
Para o Memorial, é significativo ter os famosos painéis, que há 54 anos estão em Nova York. O presidente do Memorial, Antonio Carlos Pannunzio (à direita, na foto ao lado), fez questão de ressaltar a importância da exposição para a instituição que preside: “Essas obras que falam tudo a respeito das aflições e da esperança que atormentam e acalentam a humanidade serão vistas por milhares. Sem dúvida, elas ajudarão o Memorial a cumprir sua missão de aproximar povos, especialmente povos latino-americanos, sobretudo se isso for feito sob a motivação maior – a busca da paz”.
A mostra no Memorial incluirá cerca de cem esboços originais deGuerra e Paz, que nunca foram expostos conjuntamente e audiovisuais contando a aventura de remover obras de arte gigantescas, transportá-las para o Brasil e restaurá-las, bem como documentários sobre a vida e a obra do pintor.
O BNDES apoia financeiramente a exposição. Segundo Vera Lúcia Vieira, representante da instituição, o envolvimento neste projeto é importante por suas qualidades artísticas, simbólicas e históricas e “ainda mais porque leva a cultura brasileira lá fora”. Pouca conhecida, o BNDES tem uma linha de financiamento a projetos de recuperação e restauração de museus, praças, prédios históricos, instituições tradicionais e outros locais declarados patrimônios históricos brasileiros pelo Iphan. Desde 1997 quase 300 milhões de reais já foram usadas para apoiar 880 projetos de recuperação.
Para o Secretário Estadual de Cultura Andréa Matarazzo (no centro, na foto acima), o Salão de Atos do Memorial é o lugar ideal para a dimensão física (14m x 10m) e emocional dos painéis. “Parece que foi construído especificamente para isso”, brincou Matarazzo, e, dirigindo-se diretamente para João Candido, “a sua próxima missão será convencer a ONU que os quadros Guerra e Paz devem é ficar aqui Memorial” disse, achando graça do que tinha dito. Em seguida, ressaltou a dedicação do filho em recuperar, cultivar, engrandecer e divulgar a memória e a obra de seu pai: “Filho apaixonado, orgulhoso do trabalho do pai, João Candido faz da sua vida um verdadeiro sacerdócio em prol da propagação da obra de Portinari. Saiba, João Candido, que o tamanho do teu trabalho de divulgação da obra do teu pai tem dimensão semelhante à própria obra de Portinari.” Quando se recorda que os painéis gigantesco ficavam inacessíveis ao público, em NY, assim como 95% da obra de Candido Portinari permanece trancada em coleções particulares, fica claro o sentido dessas palavras.
Além das pessoas mencionadas, estiveram presentes no evento de lançamento da exposição Guerra ePaz no Memorial o diretor do Museu Lasar Segall, Jorge Schwartz, a conselheira do MASP, Maria Beatriz Pimenta Camargo, e os patrocinadores Fábio Nogueira (na foto, ao lado de Vera Lúcia Vieira, do BNDES), diretor da BFRE (Brazilian Securities Finance & Real Estate), e Sandro Rêgo, da comunicação corporativa do Grupo do Boticário.
Os painéis foram restaurados no primeiro semestre de 2011no Rio de Janeiro, em ateliê aberto ao público, montado no Palácio Gustavo Capanema, por iniciativa do Projeto Portinari. Antes disso, eles tinham ficado expostos no palco do Teatro Municipal carioca, entre 22 e 30 de dezembro de 2010. Mais de 40 mil pessoas foram visitá-lo!
Guerra e Paz são obras da década de 50 feitas especialmente para a sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York. Entre 1952 e 1956, Candido Portinari – um dos grandes artistas brasileiros do século passado – trabalhou sofregamente para atender o pedido do governo brasileiro. Apesar da recomendação médica que evitasse o uso de tinta a óleo, já que apresentava sintomas de intoxicação pelo chumbo presente no composto, Portinari encarou a encomenda como missão e criou um dos mais belos e impactantes testemunhos da loucura humana. Portinari retratou a guerra não por meio de soldados ou equipamento bélico, mas por meio das suas vítimas, especialmente aquela que sofre a dor maior: a mãe que perdeu o filho.
Portinari era um idealista. Como boa parte da intelectualidade e de artistas da sua geração, ele era comunista filiado ao PCB, por quem concorreu a deputado constituinte em 1945 e a senador em 1947. Sua insistência em presentear o mundo com a sua arte pungente, como que clamando por um tempo utópico em que não houvesse a exploração do homem pelo homem, custou-lhe caro. Portinari praticamente se auto-emulou por sua utopia, tornando-se, mais que um artista, um herói trágico de toda a humanidade. Guerra e Paz foram os últimos grandes painéis pintado por ele. Depois disso, adoeceu pouco a pouco até morrer em 1962, vítima das tintas que para ele eram uma arma.
Os quadros foram finalmente instalados em Nova York, em 1957, nohall de entrada da Assembleia Geral da ONU. Por ser comunista, Portinari não obteve autorização do governo americano para ir à inauguração da sua obra. Atualmente, por razões de segurança, o grande público não tem acesso ao local, apenas os políticos de todos os países do mundo. Recentemente, quando João Portinari soube que as instalações da ONU passariam por reforma entre 2010 e 2013, tanto fez que conseguiu a guarda da obra de seu pai por esse período. Era a oportunidade dos painéisGuerra e Paz percorrerem o mundo e finalmente serem conhecidos pelo povo. Em contrapartida, eles deveriam voltar devidamente restaurados, como previa o contrato entre a ONU e governo brasileiro dos anos 50. Para essa empreitada, João Candido obteve o apoio do governo brasileiro, por meio do BNDES, e de outras entidades públicas e privadas.
Segundo João Candido Portinari, depois de São Paulo Guerra ePaz devem percorrer o mundo. Com o esperado apoio do Itamaraty, os painéis de Candido Portinari vão levar sua mensagem dramática e de esperança para os países do Bric - Rússia, China, Índia e África do Sul. Em agosto de 2013, eles voltam para o hall da sede da ONU. Lá, a esperança é que sua missão seja completada, afinal, Portinari não retrata apenas a guerra, mas também um tempo de paz, no qual as crianças possam brincar e os adultos de todas as etnias possam trabalhar e viver - em paz.
Saiba mais sobre o painel Tiradentes.
Texto Eduardo Rascov
Fotos Daniela Agostini
Fonte memorial da America latina