É igual, mas é diferente. O Teatro da Vertigem, que completa 20 anos de trajetória em 2012, ganhou notoriedade pela maneira como se apropria de espaços públicos. Uma igreja, um presídio e até um rio já se tornaram palco para seus espetáculos. Vista por esse prisma, a estreia de Bom Retiro 958 Metros não constitui exatamente um desvio de rota. Trata-se de uma criação em que a companhia exercita aquilo que sabe fazer de melhor: ocupar e ressignificar áreas da cidade.
Mas a nova montagem, que abre temporada hoje (15/06), guarda suas particularidades. Aqui, não existe um único lugar a ser explorado. Há um bairro inteiro. O público também não está encerrado em uma sala. Ao contrário. Por quase um quilômetro, precisa seguir os atores. Faz um percurso que inclui uma galeria comercial, ruas desertas e um teatro abandonado. Submerge em uma improvável e desconhecida metrópole em ruínas.
Outra diferença, explica o diretor Antonio Araujo, é a relação que Bom Retiro 958 Metros estabeleceu com esse cenário. “O sentido nasce do próprio diálogo entre esses espaços. É uma obra que coloca em confronto diferentes lugares”, diz ele. “Em outros espetáculos havia um longo tempo de ensaio prévio antes que entrássemos nos espaços de apresentação. Agora, não. É uma mudança gritante. Tudo foi criado na rua, nesses lugares.”
Foi a partir das cenas improvisadas no bairro que o escritor Joca Reiners Terron construiu o texto do espetáculo. Um processo semelhante àquele experimentado por outros ficcionistas que já trabalharam ao lado do Vertigem, como Fernando Bonassi (Apocalipse 1,11) e Bernardo Carvalho (BR-3).
A ação começa diante de um pequeno shopping center, típica galeria comercial do Bom Retiro, com dezenas de lojas de confecção. Eis um chamariz para a questão do consumo desenfreado, para o descarte de humanos e objetos sem serventia. É, porém, quando sai desse espaço fechado e asséptico, e ganha as ruas ermas e escuras, que a peça encontra sua potência maior. Na fricção entre a cena e o real. A presença de um morador de rua, a intervenção de um policial desavisado, a passagem de algum carro. Pequenos acontecimentos que acabam alterando as feições da montagem a cada apresentação. “Existe um controle relativo do que acontece. O espetáculo está aberto para o imprevisto”, observa Araujo.
Fonte: Estadão
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